11 de fevereiro de 2008

Mordida de açaí

Foi esperando pelo amor de sua vida que Rita se viu casada com Nô, filho do seu Tito do bar, com dois filhos, grávida. Ele não era, e ela não saberia dizer se algum dia tinha sido o amor da sua vida. A realidade em volta dos filhos, das lavagens de roupa, ajudar seu Tito no bar, já viuvo e brigado com as filhas, não a incomodava muito. O problema não era mais água no feijão, nem lavar fraldas ou fazer faxina pra ajudar a engordar o baixo orçamento. Nunca foi Nô estar desempregado, as goteiras, a luz cortada, o aluguel atrasado e ter que morar nos fundos do bar do Seu Tito. Ela dizia que foi depois daquele dia em que Nô bebeu e bateu nela, mas ele também acha que pode ter sido a miséria da vida ou coisa do Demônio, ou castigo de Deus. Rita dizia nao saber, mas sabia o exato momento.

Ela tava na fila do posto desde às 5 da manhã, esperando o ginecologista quando resolveu olhar pro lado, um oi cordial. Só isso. Foi uma longa conversa sobre filhos, eleições, a melhora da vida no governo Lula, apesar do preço do pão, os vários médicos, os bons farmaceuticos que vendem os remédios que os médicos não receitam, mas curam muito mais rápido, o sermão do Padre Pedro no domingo passado. Rita ali, olhava e nao entendia muito seu encantamento, o porquê d'aquelas coxas parecerem tão bonitas, ela que nunca reparara nestas coisas... Mas Rita sempre achou o sorriso uma coisa muito bonita, pensou que a boca da sua nova amizade tinha cor de açaí, e os dentes? Rita nao entendia porque pensava na força daqueles dentes, aí olhava, assim, como quem nao quer nada, as mãos, os pés - mas sem pensar naquela lenda sobre os pés...

Rita pensava que o amor tinha que ter uma boa mordida... E reprimia seus pensamentos na mesma hora...Um casal de filhos, muita luta pra levar a vida, as mãos fortes, boca de açaí, Rita só pensava nisso!!
Tres meses depois, 10 idas à feira, sete idas ao supermercado, missa todos os domingos, alguns encontros pra trocarem receitas, ou só pra conversar alguma coisinha, algumas lágrimas, muita risada, e a sensação de que o amor da sua vida existia, suas mãos se entrelaçaram, suas coxas se enroscaram, Rita deixou Nô e gostou da mordida.

Hoje, ela e Soninha são mal faladas na cidade, não podem mais ir à missa.
Mas têm a sensação de que serão felizes para sempre.