24 de outubro de 2013

Uma história de amor (ou não...)

Maxine, toda colorida, durante muito tempo só queria voltar pro céu... Voar muito alto e se deixar cair, dar rasantes, ver as cores que não eram daquelas paredes, comer o que não era alpiste, encontrar um par que não lhe fosse arranjado, escolher uma casa que não fossem aquelas grades. Ao lado estavam também Pandora, Tibetano, Amaranta, Borboleta, e uns outros 20 pássaros de nomes estranhos para pássaros. Seu Rodolfo os amava. Suas cores, seus cantos, seus comportamentos tão peculiares para tão pouco tamanho.

Eis que seu Rodolfo começa a ter pesadelos. Estava preso, amarrado, sem conseguir gritar, às vezes cego, mas sempre preso...  Disseram que poderia ser pelos pássaros, sabe? Mas poxa, gosto tanto deles... Mas aí, seu Rodolfo, é aquela coisa que aquele escritor que não lembro o nome falou, pra gente amar e deixar livre, porque se a gente for amado, a pessoa volta, ou nem vai embora, entende? Solte os bichinhos Rodolfo, se eles te amam eles vão voltar...
Assim o fez. Um a um, um a cada, dia pra se acostumar. E a cada dia perdia um deles, menos Maxine que continuou lá. Seu Rodolfo a mostrava para as visitas, todo orgulhoso, veja, não é ingrata como os outros! Esta sim, me ama... Olha como canta feliz!

Numa bela noite, Maxine decidiu que chegara a hora. Saiu de sua gaiola em silêncio absoluto. Foi até a cama de seu Rodolfo e o olhou com muita atenção. Pousou na gola daquele pijama horroroso e quando ele virou de barriga para cima, Maxine voou até o canto do quarto e veio com toda sua força em direção a jugular de seu Rodolfo, viu seu sangue jorrar, o viu olhando para ela e cantou o mais bonito que pode até que ele parasse de respirar.

16 de outubro de 2013

Porque sim!!

Se não é seguro, por que vou? Porque se não for, perco no mínimo uma grande foda e no máximo uma tórrida paixão. Vou porque é quente, porque me dá arrepios. Porque só de pensar em não ir me dá calafrios. Vou porque quando me imagino indo, me vejo correndo de encontro a um precipício, com o caminho mais delícia do mundo, e se vou cair ou me jogar quando chegar lá, só saberei quando chegar lá. Vou porque minha pele me implora que vá. Cada poro, cada pelo, cada canto, cada sonho. Todo dia, toda hora, tudo nisto. Minha saliva dobrou de volume desde que existe a possibilidade da ida. Minhas mãos batucam meu corpo, quase como que numa masturbação inconsciente. E, sim, consciente também. Vou porque meus olhos te querem perto, de perto, mais perto. Porque sonho com o peso dos teus tapas, das tuas mãos, com meus cabelos presos nelas, com as tuas pernas enroscadas nas minhas, com a tua voz no meu ouvido, até com dormir de conchinha e todos os clichês que uma paixão tem direito. Porque quero te olhar lá debaixo. Te ter, te dar, te servir, aceitar, engolir todos os teus instintos mais baixos e invadir todos os teus sonhos de amor. Porque se eu for, ganho no mínimo grandes fodas e no máximo a vivência breve de uma tórrida paixão.


Talvez eu vá porque nunca fui destas que ouvem a voz da razão...

9 de agosto de 2013

A Novidade era o Máximo do Paradoxo

. Esse texto foi inspirado na música  A Novidade , do Gilberto Gil. 


Padre Eduardo praticamente nasceu padre. Nunca quis ser outra coisa, até o dia em que morreu. Seu Darcy nem sabe como virou dono de puteiro, foi um negócio que tava na família há quatro gerações, ele era o único filho homem. Nanda Suely virou puta aos poucos, uma concessão aqui, uma troca de favores ali e resolveu levar a coisa a sério. Foi esse improvável triângulo não amoroso que movimentou aquelas semanas no bairro São Gilberto. Padre Eduardo era conhecido na região por uma igreja que tinha santos com cara de gente, com cara de povo, sabe? Sem cara de coitados ou superiores, cara de gente comum, que um dia recebeu um chamado divino, só isso. E lá estava Padre Eduardo, a caminho de uma reunião de jovens desencaminhados quando viu a mulher que seria o rosto do povo para sua Nossa Senhora. Já viu tudo, né? Comentou com o amigo, ele não vê a tal mulher.
-  aquela ali na praia, ali na areia
-  Nanda Suely? Nanda Suely é o melhor boquete desta cidade, tá maluco?
Sim, até padres tem amigos tarados, e, não, ele não estava maluco! O desafio era ainda maior e a vitória seria ainda melhor...
Bom, vou poupar vocês dos pormenores...
Dias posando para Padre Eduardo, conversas sobre vocação, pecado, céu, inferno, Nanda Suely começa a admirar a igreja, Padre Eduardo a entender que é só uma profissão.
Mas seu Darcy, coitado... Precisou contratar cinco novas garotas para sobreviver ao concorrido mercado da sacanagem, mas sua casa nunca mais foi a mesma, nunca mais se formaram filas, casa cheia, nada. Os clientes começaram a se queixar de Nanda Suely. Sua profissional mais requisitada não era desejada por ninguém. Diziam que se sentiam sujos. Sujos, pecadores, indignos de voltarem à suas esposas, seus lares, a beijarem seus filhos. Não se pode dar o pau pra uma mulher com cara de santa chupar.
Padre Eduardo, na inauguração de sua Nossa Senhora fora vaiado, apedrejado, expulso da cidade e da congregação. Saiu até no jornal.